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Resenha do filme Que Horas Ela Volta?

Que Horas Ela Volta? (idem, 2014) é a pergunta ouvida logo no início do filme de Anna Muylaert. Símbolo da dúvida de Fabinho (Michel Joelsas, na fase adolescente), a frase reverbera ao longo da narrativa. Ele está sob os cuidados de Val (Regina Casé), babá pernambucana em cuja companhia fica a maior parte do tempo, e o tal horário de retorno sobre o qual ele não obtém resposta satisfatória se refere à mãe, uma estilista sempre ocupada com suas criações e clientes. É em torno da figura carismática e lutadora da babá que o enredo se desenvolve, dando provas de que a junção entre sensibilidade, honestidade e senso crítico produz resultados maravilhosos.

 

Em pouco tempo e sem didatismo, o espectador é informado de que Val deixou sua cidade rumo a São Paulo no intuito de conseguir um bom emprego para sustentar a filha Jéssica (Camila Márdila). Aí está a maior ironia de sua vida: deixar a própria filha para cuidar do “filho dos outros”, com quem acaba desenvolvendo uma estreita relação de afeto e confiança, que chega a se sobrepor à relação materna em vários momentos importantes de sua vida. Acontece que Jéssica liga para Val avisando que vai prestar vestibular em São Paulo, assim como Fabinho, e a babá (que também dá duro nas tarefas domésticas) pergunta à patroa se a garota pode ficar uns dias com ela em seu quartinho. Está colocada a deixa para que o roteiro de Muylaert e Casé debata questões delicadas e urgentes do âmbito social e familiar cena a cena.

 

A tônica de Que Horas Ela Volta? é a discussão de valores que estão presentes em qualquer cotidiano, e o texto foge de um caminho panfletário. Como pode, mesmo depois de mais de dez anos trabalhando em uma casa de patrões com situação financeira tão boa, Val seguir confinada a um quarto nos fundos da casa, sem condições de viver em seu próprio canto? Esse é o primeiro grande questionamento de Jéssica, cuja presença na casa desencadeia situações que jamais estiveram previstas no contrato de trabalho estabelecido entre Val e Bárbara (Karine Teles, ótima), a patroa. Um exame superficial da garota sugere alguém que não tem noção do espaço que lhe cabe mas, ao analisar mais atentamente sua postura, outra questão emerge: qual o cabimento de restringir a circulação dela por todos os ambientes da casa? Do que Bárbara tem medo ao fazer essa recomendação?

 

Nesse sentido, Jéssica é uma personagem de suma importância, o contraponto ideal da mãe, submissa até dizer chega. E essa divisão entre patrões e empregados é constantemente endossada por meio de passagens discretas, para cuja percepção é bom ter visão e audição aguçadas. Quando Val diz à menina que há um sorvete para as duas e outro só de Fabinho e seus pais, por exemplo, pode parecer apenas mais uma questão boba, mas vale lembrar que tudo é político, e existe uma entrelinha desagradável nessa cena, que convoca o senso crítico do espectador para meditar sobre o conceito de justiça social. No fim das contas, um pote de sorvete não é mais apenas um pote de sorvete. Muylaert está tratando de barreiras invisíveis que regem o trato social sem que muitos de nós se deem conta, conforme a própria disse a respeito do filme. Chocada com a postura despachada de Jéssica, Val chega a sintetizar: “A gente já nasce sabendo o que pode e o que não pode fazer”.

 

Apesar de sua delimitação espaço-temporal clara, Que Horas Ela Volta? não restringe seu espectro de abrangência, e toca o dedo em feridas abertas, pregando peças em seu público. Afinal, se partimos do princípio de que Jéssica é uma abusada sem noção, podemos ser considerados reacionários incapazes de aceitar uma reorganização das relações sociais (e convenhamos que é a mentalidade vigente em muitas cabeças do Brasil, muitas delas com as quais convivemos), carentes de uma revisão urgente. [...] O longa de Muylaert vai bem além de um drama sobre mãe e filha em processo de reconciliação: é um maravilhoso exemplo de como o micro repercute no macro. Em poucos dias na casa, Jéssica é capaz de coisas e acessa espaços que Val sequer imaginou, como a piscina. Aliás, uma das cenas mais tocantes protagonizada pela babá ocorre ali, e melhor do que descrevê-la é testemunhá-la.

 

A crítica estrangeira se rendeu logo de cara. Em passagem por Sundance, tanto Casé quanto Márdila saíram premiadas, uma exceção aberta pelos organizadores do Festival, que só contempla uma atriz, mas eles não quiseram deixar de reconhecer o talento da garota, de interpretação tão orgânica e tocante. Em Berlim, o filme também fez bonito, ganhando o prêmio do público. E o que dizer das más línguas brasileiras que são mordidas diante do desempenho impecável da veterana? As melhores atrizes são aquelas que desaparecem no papel, exatamente o que ela faz aqui. Não há sombra da apresentadora bem-humorada ou da intérprete cômica. Tudo em Val é mostrado com delicadeza e sobriedade, e vale lembrar que estamos falando de alguém que começou no ofício da atuação há décadas, e entende muito bem do riscado. Por tudo isso, Que Horas Ela Volta? é uma peça preciosa na galeria de filmes com alma e muito a dizer e a fazer refletir.

(CORRÊA, Patrick. Disponível em http://www.cinemadetalhado.com.br. Acesso em 24 set. 2015)

 

1.(0.1) Você sabe que a resenha é um gênero argumentativo que apresenta informações técnicas e uma avaliação crítica acerca de um livro, um filme, um CD, etc. A avaliação apresentada nessa resenha de Corrêa é positiva ou negativa. Fundamente sua resposta com um trecho do texto.                                                                   

 

2.(0.1) Sendo a resenha estruturada em dois elementos: uma síntese e uma avaliação, identifique em quais parágrafos essa síntese do filme predominantemente ocorre.  

3.(0.2) Ao avaliar o filme, Corrêa trata de duas questões importantes e que são a tônica do filme: a discussão dos valores, e o conceito de justiça social. Durante seu texto, ele fundamenta essas questões com alguns exemplos retirados do filme. Identifique um desses exemplos que servem de fundamentação para a opinião do resenhista.

 

4.(0.1) Além da discussão de valores e do conceito de justiça social, Corrêa também dá destaque a um outro importante elemento que dá ao filme alma, como ele mesmo afirma. Esse elemento é                     

a) a fuga de um caminho panfletário.

b) a falta de didatismo da obra.

c) o fato de o filme ir além de um drama sobre mãe e filha.

d) a atuação de Regina Casé e de Camila Márdila.

e) a estreita relação construída entre Fabinho e sua babá.

 

5.(0.1) Ao falar de Jéssica, filha da personagem principal, o resenhista a considera como uma personagem de grande importância para o enredo do filme. Por quê?                 

 

6.(0.1) Corrêa, em seu texto, cita uma fala da personagem Val (Regina Casé) no filme: "A gente já nasce sabendo o que pode e o que não pode fazer". Essa frase sintetiza uma das questões centrais do filme, que é a questão da "reorganização das relações sociais", como ele mesmo escreve. Da forma como foi construída pela personagem, ela demonstra que essa questão da mobilidade social é uma exceção ou uma regra na sociedade brasileira?

 

7.(0.1) E, em seu texto, Corrêa parece compactuar com a postura da personagem Val ou da Jéssica? Fundamente sua resposta.           

 

8.(0.3) Releia o excerto para responder às questões a seguir:    

"É em torno da figura carismática e lutadora da babá que o enredo se desenvolve, dando provas de que a junção entre sensibilidade, honestidade e senso crítico produz resultados maravilhosos."

 

8.1. Como se trata de uma resenha crítica, o uso de adjetivos, que podem qualificar o filme, as personagens, cenas do enredo, é comum. Identifique nesse trecho pelo menos dois adjetivos que cumpram essa função qualificadora.

 

8.2. Além do uso de termos gramaticais, o trecho também faz uso de uma oração subordinada substantiva que tem essa função qualificadora. Identifique-a.      

 

8.3. Essa oração subordinada substantiva identificada por você é           

a) completiva nominal.

b) objetiva indireta.

c) apositiva.

d) subjetiva.

e) objetiva direta.

 

9.(0.1) No penúltimo parágrafo, para emitir sua opinião e sustentar sua argumentação, o resenhista faz uso do sujeito desinencial na primeira pessoa do plural, como em "convenhamos que é a mentalidade vigente em muitas cabeças do Brasil". Ele poderia ter, a fim de manter um maior distanciamento diante daquilo que escreveu, impessoalizado sua opinião e, dessa maneira, ter construído, ao invés de uma oração subordinada substantiva objetiva direta, uma subordinada substantiva

a) completiva nominal.

b) objetiva indireta.

c) apositiva.

d) subjetiva.

e) predicativa.

 

10.(0.2) No excerto "tanto Casé quanto Márdila saíram premiadas, uma exceção aberta pelos organizadores do Festival, que só contempla uma atriz", Corrêa faz uso de uma oração subordinada adjetiva classificada como _________, pois sua função é de __________________________________________________________________________________.  

 

Texto 2: Crônica

Eu sei, mas não devia

                Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.

                A gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor. E, porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. E, porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E, porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E, à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão. [...]

                A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita. E a lutar para ganhar o dinheiro com que pagar. E a ganhar menos do que precisa. E a fazer fila para pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez pagar mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas em que se cobra. [...]

                Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito o que fazer a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado. [...]    A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que, gasta de tanto acostumar, se perde de si mesma.

(COLASANTI, Marina. Eu sei, mas não devia. 2 ed. RJ: Rocco, 1999. p. 9-10)

  

11.(0.2) O assunto dessa crônica é, deste o título, evidenciado: coisas que as pessoas acostumam-se a fazer, mas que não deveriam, pois essas coisas deveriam ser questionadas e não tidas como normais. Esse assunto mantém uma relação com o filme Que horas Ela Volta? e que é evidenciado na resenha de Corrêa. Qual relação é essa?

12.(0.1) O  título  da  crônica, que sintetiza seu assunto, é  construído por  meio  do  uso de  uma  oração  coordenada

sindética adversativa: "Eu sei, mas não devia". Ele poderia ter sido também escrito com uma oração subordinada adverbial e seu sentido seria mantido. Esse título poderia ser:    

a) Eu sei, uma vez que não deveria.

b) Eu sei, conforme eu deveria.

c) Se eu soubesse, eu não deveria.

d) Eu sei quando não deveria...

e) Eu sei, embora não deva.

 

13.(0.1) No segundo parágrafo, para indicar tudo aquilo que vai, pouco a pouco, passando a ser considerado "natural", e, portanto, aceito como inevitável, como em "porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora", Colasanti faz uso de uma oração subordinada adverbial                                        

a) consecutiva.

b) concessiva.

c) proporcional.

d) condicional.

e) causal.

 

14.(0.1) O período composto "porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora" poderia ter sido escrito de diferentes formas e manter o mesmo sentido com exceção em         

a) Já que não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora.

b) Uma vez que não tenha vista, logo se acostuma a não olhar para fora.

c) Como não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora.

d) Caso não tenha vista, logo se acostuma a não olhar para fora.

e) Logo se acostuma a não olhar para fora, pois não tem vista.

 

15.(0.1) Para demonstrar ainda uma aceitação passiva de uma vida marcada por uma série de restrições sem que as pessoas procurem modificá-la, como no período "A gente se acostuma para que nós poupemos a vida", Colasanti faz uso de uma oração subordinada adverbial                                 

a) proporcional.

b) final.

c) causal.

d) consecutiva.

e) conformativa.

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